sábado, 12 de março de 2011

Crítico inglês alimenta polêmicas na literatura

James Wood (foto), da "New Yorker", lança no Brasil "Como Funciona a Ficção", que funciona como um guia para se ler melhor

Foi-se o tempo em que a palavra de um crítico era suficiente para decretar o paraíso ou o inferno de uma obra de arte. No caso da literatura, já não há alguém com a influência de Edmund Wilson (1895-1972), que promoveu a geração de F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway e celebrou clássicos do modernismo logo no lançamento (Marcel Proust, James Joyce e T.S. Eliot entre eles). Alguns dos grandes críticos atuais estão muito velhos para o debate público, caso de Harold Bloom e George Steiner; outros morreram há poucos anos, a exemplo de Susan Sontag.

Uma grata exceção é o inglês James Wood. Atual titular da seção de livros da revista americana "The New Yorker" (cargo que já foi, aliás, ocupado por Wilson e Steiner), Wood pode não ter a capacidade de transformar a trajetória de um romance, mas seus artigos ainda fazem muito barulho. A ponto de ter sido um criado um blog dedicado apenas a atacá-lo, Contra James Wood (contrajameswood.blogspot.com), atualmente pouco atualizado.

Entre os argumentos de seus detratores, está o de que o britânico recorre a preferências puramente pessoais para atacar ou defender os autores. É, por exemplo, admirador do realismo do século 19, praticado por autores canônicos do nível de Flaubert, Henry James e Tchekhov, o que lhe garante a pecha de “conservador”. Aprecia ainda o que chama de “estilo livre indireto”, no qual a voz do personagem se mistura à do narrador.

Segundo os inimigos do crítico, existe um preconceito por parte dele em relação a quem não se encaixa nesses preceitos. O alvo favorito de Wood é o que ele classificou de “realismo histérico”, estilo caracterizado pelos truques pós-modernos e pela pouca ênfase na psicologia dos personagens. Thomas Pynchon, Don DeLillo e David Foster Wallace se encaixam no conceito.

James Wood, que já passou pelas redações do jornal britânico "The Guardian" e da revista "The New Republic", é professor de crítica literária em Harvard. A experiência o inspirou a escrever "Como Funciona a Ficção", uma espécie de guia para se ler melhor, baseada na análise de aspectos básicos do texto ficcional - personagens, discurso, realismo, ponto de vista. O autor aceitou falar com o iG sobre o livro, que será lançado hoje pela Cosac Naify.

iG: Seus artigos causam polêmica no meio literário. É obrigação do crítico ser brutal em determinados textos?James Wood: Os críticos escrevem para os leitores, não para os escritores. Então o que pode parecer uma crueldade enorme quando se trata de um texto que provavelmente será lido pelo autor, não fica tão cruel assim se você se lembrar de que está escrevendo para os leitores, que há um serviço prestado pelo resenhista. Nesse sentido, acho que os críticos precisam ser brutalmente cruéis, sim. Claro que isso não é muito positivo se você pensar só no escritor.

iG: Existe um blog dedicado a examinar e atacar seus textos, o Contra James Wood. A que atribui essa raiva pessoal que algumas pessoas sentem pelos seus artigos?James Wood: Alguns dos blogs nos EUA fazem uma espécie de guerra literária entre os “tradicionais” e os “novos” da literatura. De um lado há aqueles tidos como conservadores, pessoas que gostam de realismo, que escrevem para um grande público. Do outro lado, há a linhagem avant-garde, antirrealista, formada por pessoas que experimentam estilos radicais na forma do romance, admiram gente como o David Foster Wallace (escritor morto em 2008). Gosto de pensar que estou bem no meio desses dois lados antagônicos. Escrevi "Como Funciona a Ficção" para tentar estabelecer essa minha posição central. Mas algumas pessoas, como as que escrevem no Contra James Wood, não me veem como estando no meio, e sim como alguém do establishment, e me atacam por acharem que sou conservador.

Eles gostam apenas do risco na ficção, da quebra de regras, do excesso. Também gosto disso em literatura, claro. Mas essas pessoas não gostam de simplesmente nada que eu escrevo. É uma pena pensarem que sou desse establishment. E, do ponto de vista de um blog, é importante atacar alguém que pertença a essa elite, como acham que eu pertenço, da maneira como puderem.

iG: Em sua opinião, a literatura se torna melhor quando há crítica realmente severa?
James Wood: Sim, é importante que haja uma boa crítica. Quando as pessoas escrevem sobre mim em blogs ou em outros lugares, fico grato por esses blogs existirem, pois me mostram quando estou ficando muito repetitivo ou conservador. Esses textos me fazem pensar sobre o que eu não estou fazendo corretamente. E acho que é exatamente isso que os críticos têm de fazer para os escritores, mesmo que seja muito difícil para os autores aceitar isso.

iG: Você já publicou um livro de ficção, "The Book Against God" (O livro contra Deus). O que acha do velho clichê de que todo crítico é um romancista frustrado?
James Wood: Faz sentido, sim. Mas com um porém. Muitas das grandes críticas literárias foram escritas por escritores fabulosos, como Henry James ou Milan Kundera, e o tipo de crítica que aprecio é aquela que me empolga como se estivesse lendo um romance. É verdade, no entanto, que hoje muitas resenhas são escritas por romancistas frustrados, mas não podemos nos esquecer de que antes, no século 19, a crítica era formada por grandes ficcionistas.

iG: Se o modernismo começa com Flaubert, como você afirma em "Como Funciona a Ficção", termina com quem? Ou ainda não terminou?James Wood: Não acho que a tradição flaubertiana tenha acabado. E uma das razões pela qual eu dei a Flaubert esse prestígio no livro foi para mostrar que esse estilo de realismo que ele inventou continua a ser usado na literatura, até mesmo nos best-sellers. Não gosto necessariamente de todos os produtos nascidos a partir desse realismo flaubertiano, mas quis ressaltar que algo inventado em 1850 continua sendo usado hoje.

iG: Ainda é possível um autor escrever seguindo preceitos do passado, como a ênfase na trama e nos personagens, e mesmo assim soar contemporâneo? Quem se encaixa nessa categoria?James Wood: Sim, muitos exemplos se encaixam perfeitamente nesse quesito. J.M. Coetzee (escritor sul-africano premiado com o Nobel em 2003) é um deles. Alguns de seus romances são mais experimentais e radicais, mas sua obra mais popular, "Desonra", usa o realismo tradicional, tem frases simples e baseia-se em preceitos básicos do realismo. Essa tradição não é exaustiva. O que é incrível no mundo do romance é que a qualquer momento um escritor vem e revitaliza a maneira de escrever o romance - seja um escritor experimental ou tradicional. A maestria está na seriedade com que o projeto é levado. Admiro José Saramago, mas entendo que essa não é a única maneira pela qual alguém possa escrever ficção, ou que todos os livros precisam ser escritos no estilo de Saramago, com frases longas e sem muita pontuação.


iG: O romance, em nossos dias, deve dizer algo sobre os problemas do mundo?
James Wood: Isso é complicado. Pessoalmente, gosto de escritores que tratem da condição humana, que discutam quem somos, quais são as nossas motivações por fazer o que fazemos, os motivos que nos levam a viver. Nesse sentido, a ficção deve dizer algo sobre o mundo, não necessariamente os problemas do mundo, mas sobre o mundo no qual estamos vivendo agora, sobre como vivemos nossas vidas. Mas não acho que a literatura tenha que obrigatoriamente estar repleta de discussões seriíssimas sobre as grandes questões mundiais.

iG: Você elogia o trabalho do português José Saramago. Conhece outros autores de língua portuguesa?

iG: Cursos de escrita criativa podem transformar aspirantes a autores em grandes escritores?
James Wood: Não. Acredito que os bons escritores que frequentaram cursos de escrita criativa já eram bons antes de comparecerem às aulas. Os cursos podem ajudar, é claro. O problema é que há muitas pessoas fazendo esses cursos e muitas delas são ruins. Nos EUA, só deve haver um ou dois bons cursos, e neles provavelmente deve haver alguns poucos bons escritores. Nada mais.

iG: Pouco depois da última eleição presidencial, você escreveu uma análise positiva da retórica de Barack Obama. O governo de Obama está à altura de sua oratória?James Wood: Nenhum governo é tão bom quanto a retórica de um presidente. De todo modo, Obama devia se aproveitar mais de sua oratória, fazer mais discursos, como os que fez durante a campanha. Se ele tem o dom da fala, devia usar isso todos os dias para se comunicar com o povo. Infelizmente, no último ano, ele não se comunicou tanto com os americanos. Mas, de um modo geral, estou satisfeito com o que o governo de Obama está fazendo nos Estados Unidos.

"Como Funciona a Ficção"
James Wood
232 páginas
Cosac Naify
Preço sugerido: R$ 49

Fonte: Portal IG
Fotos: Divulgação

James Wood: Gosto muito de Machado de Assis. Quando tinha uns 20 anos, alguém me disse que, se eu gostava de Tchekhov, iria gostar de Machado, então fui lê-lo. Apesar de não achá-los tão parecidos assim, gosto muito de Machado.

Um comentário:

denise bottmann disse...

sobre essa edição brasileira, gostaria de trazer a seu conhecimento - http://desengripando-a-ficcao.blogspot.com/2011/03/como-engripa-ficcao.html

atenciosamente,
denise bottmann