Durma-se com um barulho do tamanho de um bonde. O noticiado por responsáveis informativos revela: há mil anos nenhum Papa proclama como beato o Papa que o havia precedido. Ou seja, um processo aberto antes dos cinco anos da morte, conforme formalmente previstos nos procedimentos instituídos para investigar a santidade.
Entretanto, o vazio deixado por João Paulo II estava se tornando melindroso demais numa Igreja que vê debilitada sua credibilidade diante dos inúmeros escândalos que indignam os fiéis, favorecendo migrações para outras denominações ou favorecendo o abandono, ainda que preservando uma espiritualidade sem qualquer vínculo denominacional. Tornar-se necessário atenuar as desesperanças, criando um fato em torno da figura de João Paulo II, um pontífice carismático, atento à cotidianidade das pessoas que admiravam sua simplicidade e sua mensagem profética.
Segundo os noticiários, um acontecido milagre permitiu encurtar os tempos. Para tanto, é necessário que a revelação de uma intervenção sobre-humana se efetive e seja comprovada. Para o Vaticano, santo é a pessoa à qual são reconhecidas virtudes excepcionais.
Anteriormente, o próprio João Paulo II iniciou o processo de beatificação de Teresa de Calcutá, dois meses depois da sua eternização. Diz a imprensa: “antes da pequena mulher que viveu entre os desesperados, o beato mais rápido da história (se assim se pode dizer) havia sido José María Escrivá de Balaguer, pregador que incensava o franquismo e fundador da Opus Dei. Último suspiro em 1975: sete anos depois, nos altares”.
Diferentemente dos acima citados, uma tremenda acusação de hipocrisia emerge dos corações e mentes de milhões de latino-americanos: por que o bispo Dom Romero, assassinado pelo mais cruel reacionarismo da Central América em 1980, até hoje não obteve a mesma consideração da burocracia vaticana, cujo processo foi encaminhado a Roma em 1997, após um início dotado de múltiplas dificuldades. Dom Romero foi atingido mortalmente por balas sectárias da mesma maneira que assassinaram Thomas Becket, arcebispo de Canterbury, 750 anos antes.
A hipocrisia com Dom Romero está desmascarada: certos bispos e determinados cardeais buscam continuadamente marginalizá-lo, impedindo de vir a tona as múltiplas tragédias que ensanguetavam a região no período do seu pastoreio. E os defensores dos oprimidos abençoados por Dom Romero era chamados de comunistas. Aliás, como aconteceu com Dom Hélder Câmara, sempre amada metropolitano de Olinda e Recife.
Além de Dom Romero, o atual papa Bento XVI muito bem se recorda do bispo Dom Pedro Casaldáliga, cuja diocese é a maior do mundo, no Brasil, em Xingó. E como Chefe de Estado, Joseph Ratzinger já deve ter ouvido falar em H.L. Mencken, um famoso jornalista norte-american, “cuja desonestidade, hipocrisia e mediocridade ele vergastava com uma audácia do tamanho da sua autoridade”. E que proclamava que “os deveres diários de um profissional de Deus não têm nada a ver com religião”.
Observando o olhar de Bento XVI, a carecer de calor comunicativo, relembro as perseguições por ele acionadas para condenar Leonardo Boff, Jon Sobrino, Ernesto Cardenal e Miguel D’Escoto. E todo brasileiro cristão consciente ainda guarda na memória a famigerada notificação da Congregação para a Defesa da Fé, antigo Santo Ofício, datada de 20 de março de 1985, assinada pelo atual papa Bento XVI, afirmando que o livro do Leonardo Boff, Igreja: carisma e poder, “continha opções que colocavam em perigo a real doutrina da fé”. E o condenava a um ano de silêncio. Logo depois, para felicidade geral dos seus admiradores, Leonardo Boff largaria a batina.
O Vaticano parece ter uma estima toda especial para patifes e salafrários nazistas e fascistas. Existem documentos, tanto na Alemanha quanto nos Estados Unidos que parecem demonstrar as transferências de fundos nazistas do Reichsbank para o IOR – Instituto de Obras Religiosas, cujo único acionista é o Sumo Pontífice. Em 1945, o ditador Ante Pavelic fugiu, junto com seu gabinete e quinhentos religiosos católicos, encontrando refúgio no Vaticano, juntamente com muito ouro, um volume incalculável de joias e os títulos roubados das suas vítimas. A Santa Sé ajudou-o a fugir para a Argentina, vestido de padre e munido de passaporte especial. Como também auxiliou na fuga a aristocracia nazista do crime, dentre os quais Mengele, Walter Raufc, Adolfo Eichmann, Erick Priebke e Franz Stangl.
A vinculação do Vaticano com a Opus Dei é reconhecida mundialmente. Basta ler o livro Do lado de dentro: uma vida na Opus Dei, de Maria Carmen del Tapi, secretária particular de Josemaria Escrivá de Balaguer durante seis anos, opositora ferrenha da sua canonização. Que muito bem retrata as falcatruas do hoje “mui santo”.
PS. Solidarizar-se com as vítimas da área serrana do Rio de Janeiro é louvável. Mas relegar a terceiros planos a ajuda aos desabrigados de pouca renda da Mata-Sul de Pernambuco, deixando-os ao Deus-dará não é falta de amor regional, além de uma gigantesca hipocrisia? Sepulcros caiados ...
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