Fazia eu a barba, quando minha filha de cinco anos perguntou: - Papai, onde é que Deus mora realmente?
- Num poço – respondi distraído.
- Num poço?! – exclamou relutante, diante da tolice que eu havia dito.
Durante o café da manhã, minha esposa perguntou:
- Que foi que você andou dizendo à Laurinha acerca de Deus morar num poço?
- Num poço?! - estranhei. – Deixe-me ver... por que é que eu diria isso a ela...
- Num poço – respondi distraído.
- Num poço?! – exclamou relutante, diante da tolice que eu havia dito.
Durante o café da manhã, minha esposa perguntou:
- Que foi que você andou dizendo à Laurinha acerca de Deus morar num poço?
- Num poço?! - estranhei. – Deixe-me ver... por que é que eu diria isso a ela...
Naquele momento não encontrei resposta para tal, bem mais tarde, de repente, recordei-me de uma cena que estivera escondida na minha memória durante uns trinta anos. Acontecera na minha terra, à pequena cidade de Goiana, um bando de ciganos havia chegado, no sítio onde morávamos pedindo água para beber, nessa época nossa fonte d´agua era um poço que tínhamos no quintal. Ao conhecer o motivo da chegada deles, vovô foi logo dizendo: - Mazinho leve-os ao quintal e dê-lhes água. Nessa época eu deveria ter uns cinco anos.
Daquele bando, um cigano em particular me chamou a atenção, por ser gigantesco, jamais havia eu visto homem tão grande. Havia tirado do poço um balde de água, e estava de pé, com as pernas fincadas no chão, com força, e bebendo água, como se não o fizesse há dias. Um fio de água corria-lhe barba abaixo, pois nas mãos segurava o balde como se copo não houvesse. Ao terminar, puxou um lenço da cabeça e enxugou o próprio rosto. Depois se inclinou e olhou para o fundo do poço, e permaneceu assim por alguns minutos. Curioso, tentei subir pela beirada de pedra para ver o que ele tanto observava lá embaixo. O gigante notou, deu uma gargalhada e levantou-me pelos braços.
- Sabe que mora lá embaixo? - perguntou-me.
Abanei com a cabeça.
- É Deus – disse ele com convicção.
- Deus?! – esbravejei incrédulo.
– Olhe! – e segurou-me bem acima da borda do poço como um guindaste.
Lá, na água parada como um espelho, vi o meu próprio reflexo, e mais nada.
- Mas aquele sou eu! – respondi com irritação.
- Ah! – tornou o cigano, pondo-me delicadamente no chão. – Agora você já sabe onde Deus mora.
Altemar Pontes
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