Enquanto assistia aos jornais hoje pela manhã, quando noticiavam sobre graves enchentes lá em Minas, lembrei de um pequeno conto que escrevi aos quatorze anos. O texto é bastante antigo, integrou o livro de contos "Cataclismo", que reuniu meus primeiros escritos, publicado em 2005 pela Editora Baraúna. A ilustração é de João Francisco. Leia abaixo:
Cataclismo
Acordo. O relógio marca seis da manhã. Um cansaço emocional me vem à tona. Uma dor intensa na cabeça me faz ficar um pouco deitado por mais alguns instantes.
Visto-me e vou à sala. Não vejo ninguém. Sinto sede, vou à cozinha e só encontro algumas panelas em cima do fogão. Acho que todos ainda dormem. Lavo meus olhos num banheiro ali perto e volto ao quarto para procurar algum calçado pra sair.
Pela praça da Matriz, sigo em direção à avenida. Lá, encontro dezenas de pessoas tentando limpar as ruas completamente atoladas de lama; tenho que medir os passos para poder conseguir continuar, as casas comerciais estão em caos, portas foram arrombadas pelas águas, dava parar ver dezenas de celulares, sapatos e várias outras mercadorias encharcadas de lama nas encostas. Alguns tentam salvar o que restou... outros roubavam o que havia restado.
Pasmo, porém curioso, acelerei os passos. No final da avenida, escuto alguém falar da Rua da Madeira. Não escutando bem o que aquele senhor havia falado, decidi ir lá e ver o que havia; afinal, estava bem perto dali.
Um bebê chorava enquanto eu caminhava pelo que restava daquela rua. Sinto alguma coisa rodar em meu estômago. Aquilo não parecia ser uma rua, muita lama espalhava-se entre aparelhos de televisão, sofás ou brinquedos; lá, quase não se encontravam mais casas. Aquele conjunto popular estava em ruínas, várias casas haviam caído com a força daquele rio. Sinto alguém me puxar pelo braço!
“Aqui, filho, aqui, veja...”. Falou uma senhora apontando um risco na parede.
Senti como se meu coração tivesse sido colocado em uma máquina de moer carnes, com alguém rodando uma maçaneta, moendo aos poucos. Meu coração estava em migalhas.
“A água chegou aí?” – Perguntei perplexo.
Antes que ela respondesse, eu já estava muito longe dali. Voltei minha atenção à rua, enquanto aquela senhora começava a contar como conseguiu salvar seu animal de estimação. Volto a caminhar, a situação é deplorável; eu me sinto como se estivesse em uma sena de guerra. Diante da esquina, parei. Uma senhora me observava. Seu olhar de sapiência me chamou atenção, sigo em sua direção; ela pega em minhas mãos e, olhando em meus olhos, deixa algumas palavras saírem de sua boca:
“Ainda há quem reclame da vida por tanta besteira...”
Concordei com ela, chorando. Talvez, ela conhecesse minha vida muito mais do que eu.